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ENSINO MÉDIO
11 Junho 2020
O menino no sapatinho - Mia Couto

Era uma vez o menino pequenito, tão minimozito que todos seus dedos eram mindinhos. Dito assim, fino modo, ele, quando nasceu, nem foi dado à luz mas a uma simples fresta de claridade. De tão miserenta, a mãe se alegrou com o destamanho do rebento — assim pediria apenas os menores alimentos. A mulher, em si, deu graças: que é bom a criança nascer assim desprovida de peso que é para não chamar os maus espíritos. E suspirava, enquanto contemplava a diminuta criatura. Olhar de mãe, quem mais pode apagar as feiuras e defeitos nos viventes? Ao menino nem se lhe ouvia o choro. Sabia-se de sua tristeza pelas lágrimas.  Mas estas, de tão leves, nem lhe desciam pelo rosto. As lagriminhas subiam pelo ar e vogavam suspensas. Depois, se fixavam no teto e ali se grutavam, missangas tremeluzentes. Ela pegava no menino, com uma só mão. E falava, mansinho, para essa concha. Na realidade, não falava: assobiava, feita uma ave.       Dizia que o filho não tinha entendimento para palavra. Só língua de pássaro lhe tocaria o reduzido coração. Quem podia entender? Ele há dessas coisas tão subtis, incapazes mesmo de existir. Como essas estrelas que chegam até nós mesmo depois de terem morrido. A senhora não se importava com os dizquedizeres. Ela mesmo tinha aprendido a ser de outra dimensão, florindo como o capim: sem cor nem cheiro. A mãe só tinha fala na igreja. No resto, pouco falava. O marido, descrente de tudo, nem tinha tempo para ser desempregado. O homem era um fiorrapo, despachagargalos, entorna-fundos. Do bar para o quarto, de casa para a cervejaria. Pois, aconteceu o seguinte: dadas as dimensões de sua vida e não havendo berço à medida, a mãe colocou o menininho num sapato. E cujo era o esquerdo do único par, o do marido. De então em diante, o homem passou a calçar de um só pé. Só na ida isso o incomodava. Na volta, ele nem se apercebia de ter pés, dois na mesma direção. Em casa, na quentura da palmilha, o miúdo aprendia já o lugar do pobre: nos embaixos do mundo. Junto ao chão, tão rés e rasteiro que, em morrendo, dispensaria quase o ser enterrado. Uma peúga desirmandada lhe fazia de cobertor. O frio estreitasse e a mulher se levantava de noite para repuxar a trança dos atacadores. Assim lhe calçava um aconchego. Todas as manhãs, de prevenção, ela avisava os demais e demasiados: — Cuidado, já dentrei o menino no sapato. Que ninguém, por descuido, o calçasse. Muito-muito, o marido quando voltava bêbado e queria sair uma vez Leitura, compreensão, interpretação e produção textual (Reescrita do final) Gênero: Conto Fantástico Professora Laura Rodrigues mais, desnoitado, sem distinguir o mais esquerdo do menos esquerdo. A mulher não deixava que o berço fugisse da vislembrança dela. Porque o marido já se outorgava, cheio de queixa: — Então, ando para aqui improvisar um coxinho? — É seu filho, pois não? — O diabo que te descarregue! E apontava o filhote: o individuozito interrompia o seu calçado? Pois que, sendo aqueles seus exclusivos e únicos sapatos, ele se despromoveria para um chinelado? — Sim — respondeu a mulher. — Eu já lhe dei os meus chinelos. Mas não dava jeito naqueles areais do bairro. Ela devia saber: a pessoa pisa o chão e não sabe se há mais areia em baixo que em cima do pé. — Além disso, eu é que paguei os tais sapatos. Palavras. Porque a mãe respondia com sentimentos: — Veja o seu filho, parece o Jesuzinho empalhado, todo embrulhadinho nos bichos de cabedal. Ainda o filho estava melhor que Cristo — ao menos um sapato já não é bicho em bruto. Era o argumento dela mas ele, nem querendo saber, subia de tom: — Cá se fazem, cá se apagam! O marido azedava e começou a ameaçar: se era para lhe desalojar o definitivo pé, então, o melhor seria desfazerem-se do vindouro. A mãe, estarrecida, fosse o fim de todos os mundos: — Vai o quê fazer? — Vou é desfazer. Ela prometia-lhe um tempo, na espera que o bebé graudasse. Mas o assunto azedava e até degenerou em soco, punhos ciscando o escuro. Os olhos dela, amendoídos ainda, continuaram espreitando o improvisado berço. Ela sabia que os anjos da guarda estão a preços que os pobres nem ousam. Até que o ano findou, esgotada a última folha do calendário. Vinda da igreja, a mãe descobriu-se do véu e anunciou que iria compor a árvore de Natal. Sem despesa nem sobrepeso. Tirou à lenha um tosco arbusto. Os enfeites eram tampinhas de cerveja, sobras da bebedeira do homem. Junto à árvore ela rezou com devoção de Eva antes de haver a macieira. Pediu a Deus que fosse dado ao seu menino o tamanho que lhe era devido. Só isso, mais nada. Talvez, depois, um adequado berço. Ou quem sabe, um calçado novo para o seu homem. Que aquele sapato já espreitava pelo umbigo, o buraco na frente autorizando o frio.

Na sagrada antenoite, a mulher fez como aprendera dos brancos: deixou o sapatinho na árvore para uma qualquer improbabilíssima oferta que lhe miraculasse o lar. No escuro dessa noite, a mãe não dormiu, seus ouvidos não esmoreceram. Despontavam as primeiras horas quando lhe pareceu escutar passos na sala. E depois, o silêncio. Tão espesso que tudo se afundou e a mãe foi engolida pelo cansaço. Acordou cedo e foi direta ao arbusto de Natal. Dentro do sapato, porém, só o vago vazio, a redonda concavidade do nada. O filho desaparecera? Não para os olhos da mãe. Que ele tinha sido levado por Jesus, rumo aos céus, onde há um mundo apto para crianças. Descida em seus joelhos, agradeceu a bondade divina. De relance, ainda notou que lá no teto já não brilhavam as lágrimas do seu menino. Mas ela desviou o olhar, que essa é a competência de mãe: o não enxergar nunca a curva onde o escuro faz extinguir o mundo. --------

O menino no sapatinho - Mia Couto. [Ilustrações Danuta Wojciechowska], 1ª ed., Lisboa/Portugal: Editorial Caminho, 2013, 32p. Na berma de nenhuma estrada e outros contos [contos]. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 11-15.

 

Reescrevendo outros finais. Qual você escolhe?

“Acordou, logo pela madrugada, e, não tardou a ir procurar seu filho. Mas chegando aonde deveria estar o menino, não o encontrou; e com os olhos marejados, voltou ao quarto onde o marido dormia para dar a dura e ignominiosa notícia que ferira seu coração. Contudo, a pouca claridade que se esgueirava pelas frestas da janela foi suficiente para ver a criança, em estatura normal, deitada junto ao pai. Por isso, não pode conter o choro e o riso, que se misturavam bem.” (Amanda, Daniel, Kamily, Lara, Lorena, Marina e Maria Eduarda – 9º A)

“Sua mãe o coloca embaixo da árvore e no outro dia, o menino ainda estava lá...como se tivesse sido curado. Um milagre aconteceu naquela noite!” (João Pedro, Adilson, Marília, Adama, Benjamim – 9º B)

“Acordou cedo e foi direto ao arbusto de natal. Dentro do sapato, porém, o vazio. Quando olhou para o lado, viu uma bela criança. Era seu bebê curado com o tamanho de uma criança da idade. Ajoelhou e agradeceu a Bondade Divina, e, viu que sua Fé era maior que ela pensava.” (Sem identificação – 9º)

“Acordou cedo e foi direto ao arbusto de natal. Quando viu, para sua surpresa, que seu menino havia crescido; e estava tão saudável que ela como mãe, se debulhou a chorar, abraçando-o apertadamente e sem pressa de acabar...” (Ana Luiza, João Carlos, Marcella, Anna Júlia, Matheus, Vitor, Isabella, Mateus, Júlia – 9º A)

“Acordou cedo e foi direto ao arbusto de natal. Dentro do sapato, porém, só o vazio, a redonda concavidade do nada. O filho desaparecera?! A pobre mãe desesperada começa a se lamentar pela perda de seu bebê, quando avista um pequeno par de asinhas tão brilhantes quanto à lua em noite de lua cheia. Para sua surpresa era uma adorável fada. Em meio a tanto desespero e encanto, a fada veio dar-lhe uma notícia: que a criatura tão preciosa a qual estava à procura, não a tinha deixado, na verdade, estava crescendo em seu ventre novamente. Após intermináveis dias e noites, o menino pequeninito veio a nascer. Dessa vez nem tão pequeno. E cresceu saudável como deveria ser o destino de todas as crianças inocentes.” (Ana Carolina Firme, Ana Clara Koester, Amanda, Flávio, Breno, Gabriel – 9º B)

“Na manhã seguinte, quando a mãe acordara, percebeu que o sapato onde a criança dormia, estava vazio. Ficou desesperada e procurou em toda a casa. Ao abrir a porta, viu um bilhete. Nele estava escrito: A vantagem de ser pequeno é que ser acertado é mais difícil, porém você me acertou em cheio ao lembrar-me que sou frágil. Por isso, vou provar que o que compensa o pequeno tamanho é a grande mente que os pequenos têm...” (Frederico, Vladimir, João Vitor Adiers, João Vitor, Gustavo, Arthur e Frantchesca – 9º A)

“ A mãe acordou cedo e foi verificar o arbusto de natal, e, qual foi sua surpresa ao perceber que seu bebezinho era agora só bebê, sem –zinho! O menininho que antes tinha os dedos mindinhos, agora tinha todos os dedos normais para um bebê, cada qual com seu nome, polegar, indicador, médio, anelar e mínimo. Agora, o teto não era pontilhado pelas lagriminhas do bebezinho, mas sim pelas lágrimas da mãe que produzia pequenas pérolas de pura alegria.” (Évelin, Ana Carolina Alcântara, Gabriel Nogueira, Larissa – 9º B)

“Acordou cedo e foi direto ao arbusto de natal. Dentro do sapato, porém, só o vago vazio. Teria o filho desaparecido? A mãe olha em volta e encontra seu filho saudável e com o tamanho normal para um bebê. Logo, a mãe percebe... era um milagre de natal!” (Isadora, Samyra, Júlia Almeida, Luís Guilherme – 9º B)

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